Por Margarida Maria Vicchietti
A Psicanálise este campo de conhecimento criado por Freud há mais de 100 anos atrás, teve períodos de ascensão, mas sempre se deparou e ainda se depara com críticas em relação à sua seriedade e credibilidade. Tais dificuldades devem-se a alguns fatores tais como estabelecer-se como ciência, um acesso historicamente oneroso e elitizado - porém hoje banalizado - e o tempo de tratamento, considerado longo, numa sociedade cada vez mais ávida por soluções fáceis, rápidas ou mesmo mágicas – como pílulas ou métodos infalíveis vendidos nas redes sociais.
Na época de Freud e ainda à época de Winnicott a sociedade tinha características disciplinares, onde os sujeitos tinham um código rígido de condutas morais e o normal eram os sujeitos de obediência. Atualmente, Byung-Chul Han (2010-2017) afirma que temos uma sociedade de desempenho, sujeitos de desempenho e produção, que seriam uma espécie de empresários de si mesmos. O poder de cada um seria ilimitado e no lugar de proibições ou mandamentos, entram projeto, iniciativa, motivação, produção. Mas nunca tivemos tantos casos de depressão. Ao que tudo indica, parece que essa mentalidade produz mais sentimento de insegurança e de fracasso do que de satisfação e segurança. Fato é que as psicopatologias e os sintomas dos dias atuais são manifestações de nossas novas elaborações subjetivas e a Psicanálise precisa ampliar sua escuta e questionar seus paradigmas.
Em uma sociedade de desempenho, é inegável que as influências ambientais mudaram em relação ao século passado, e que o paradigma proposto por Winnicott parece responder melhor às demandas da clínica moderna. Entretanto, seria um erro um analista se dizer freudiano, lacaniano, winnicottiano etc. Somos psicanalistas e é a Psicanálise como área de conhecimento que deve encontrar respostas para os sofrimentos atuais.
Sobre a questão levantada por alguns desde a época de Freud, e que ainda ressoa e é discutida nos dias de hoje: a Psicanálise é ou não ciência? Pergunta ainda sem resposta, muitos dirão que não é uma ciência. Mas, fato é que a psicanálise promove efeitos, mas estes não podem ser mensurados pela metodologia científica utilizada pelas ciências naturais. Como medir, provar e reproduzir em experimentos e modelos científicos aquilo que é da ordem da subjetividade e da singularidade? Quando o assunto são evidências científicas não bastam os relatos dos pacientes, seria necessário medir tais resultados e reproduzi-los. Mas sabemos muito bem que na clínica não há dois neuróticos ou dois psicóticos iguais.
O que vemos também é que os efeitos de uma análise permanecem durante anos após seu término, o que, na maioria das vezes, não ocorre com psicoterapias breves ou uso de medicamentos psicoativos.
Sousa e Leite (2021) em um artigo de revisão concluem que a psicanálise é efetiva em muitos transtornos mentais atuais e que pode ser considerada o padrão ouro como opção terapêutica para tais transtornos, desde que aplicada por analistas bem formados e bem-preparados. Tal revisão objetivou analisar evidências científicas que fossem mensuráveis e não apenas subjetivas, tais como alterações funcionais e bioquímicas em Sistema Nervoso Central, após tratamento psicanalítico.
Já Huber e colaboradores (2012) compararam a Terapia Cognitiva Comportamental e a Psicanálise num estudo longitudinal de acompanhamento de pacientes em tratamento de depressão. Há evidências de que a psicanálise pode reduzir a remissão de quadros depressivos, porém tais evidências, do ponto de vista da metodologia científica atual não são consideradas fortes. Entretanto, para além da ótica científica, há inúmeros relatos de melhora ou cura vindos de pacientes e de psicanalistas, porém na atualidade, esta questão é ainda um ponto de fragilidade para o reconhecimento da seriedade e eficácia da Psicanálise.
Um outro aspecto é poder pensar a psicanálise para além de um método de normatização dos sujeitos, algo que os encaixe dentro de condutas de um espectro dito ou considerado normal para a sociedade como o faz a psiquiatria ou mesmo algumas abordagens psicoterapêuticas. Freud (1905/2017) em seu texto “Sobre a Psicoterapia” afirma que o tratamento analítico possui algumas características que o mantém distante do ideal de uma terapia. O trabalho de uma análise, segundo Freud seria o de suspender o recalque e trabalhar o que está ali, no inconsciente habitando o sujeito.
Para Freud (1937/2017) o adoecimento psíquico é fruto de uma combinação de fatores filogenéticos, ontogenéticos e acidentais. Winnicott (1958) acrescentou a esta equação os fatores ambientais e a relação mãe-bebê em sua Teoria do Amadurecimento. Ambos hoje, tanto Freud quanto Winnicott, tem suas teorias em parte validadas por dados das neurociências e da epigenética. Estas já conseguem demonstrar que o que nos acontece nos modifica, a ponto de poder alterar genes em sua expressão e por consequência a dinâmica de produção de neurotransmissores, funcionamento cerebral, desenvolvimento ou não de doenças hereditárias etc. A epigenética hoje demonstra que até traços de caráter dos pais podem ser transmitidos aos filhos, mas que também tais traços ou mesmo doenças hereditárias podem ou não se manifestarem sob influência do meio.
Se por um lado ciência e psicanálise vem se aproximando cada vez mais, por outro temos questões que necessitam ser repensadas à medida que o imaginário social se altera em função de modificações sociais e culturais. Inconsciente e imaginário social se influenciam e não podem ser dissociados. Mudanças recentes no conceito de família e do papel das mulheres e dos homens na criação dos filhos, sexualidade, doenças sexualmente transmissíveis, emancipação da homossexualidade, sociedade do desempenho, mudanças climáticas, redes sociais, novas relações de trabalho, o avanço de transtornos como depressão e ansiedade generalizada são questões que nos convidam constantemente a repensar nossa teoria e nossa clínica.
Portanto a Psicanálise não deve ser considerada como um saber sistematizado, estabelecido e já bem conhecido, e sim como um saber em constante evolução e reformulação. O que as novas psicopatologias e os novos sintomas vêm ensinar a Psicanálise? Em que medida nossos paradigmas respondem às questões atuais?
Tal qual Winnicott, que inaugurou um novo paradigma em relação ao paradigma freudiano, também os psicanalistas e teóricos atuais da psicanálise devem estar atentos às novas questões para as quais a teoria ainda não deu conta. Seguindo o exemplo de Winnicott, quando este elaborou a psicanálise não edipiana, construindo sua Teoria do Amadurecimento, que à época dava conta de explicar o que a teoria edipiana ainda não havia conseguido, também nós na atualidade, devemos estar atentos ao movimento de contante e necessária reformulação da nossa teoria.
Referências
EIZERIK, C.L.; AGUIAR, R.W.; SCHESTATSKY, S.S. Psicoterapia de Orientação Analítica: fundamentos teóricos e clínicos. 3ª edição. Porto Alegre: Editora Artmed, 2015.
FREUD, S. (1890 – 1937) Fundamentos da Clínica Psicanalítica. Tradução: Claudia Dornbusch. 2. Ed; 4. Reimp. Editora Autêntica. Belo Horizonte, 2021. Obras Incompletas de Sigmund Freud; 6.
HAN, BYUNG-CHUL. Sociedade do Cansaço. Tradução de Enio Paulo Gianchini. 2a edição. Editora Vozes. Petrópolis, RJ (2017).
HUBER, D. et al (2012) Comparação de Terapia Cognitiva Comportamental com Terapia Psicanalítica e Psicodinâmica para pacientes deprimidos: um estudo de acompanhamento de 3 anos. Psycho Somatische Midizin und Psychotherapie. Vol 58, p 299-316.
RENTES, R. Os meninos de Heliópolis: o ser e fazer de adolescentes em conflito com a lei e a sintomática criminal. 1ª edição. Curitiba: Editora Appris, 2022. P 105 – 118.
SOUSA, F.S.; LEITE, M.C. A cura em Psicanálise: efeitos orgânicos e subjetivos de uma análise. Rev. Psicol. Divers. Saúde. Salvador, 2021. Novembro 10 (3): 484-495.
Comments